Historia do Ceara a partir da Republica Velha
República Velha
No início da Primeira República, apesar das estiagens que assolaram o Ceará, Fortaleza continuou a desenvolver-se econômica e politicamente, o que não aconteceu tanto no resto do estado. Ocorreu, nas primeiras décadas do século XX, um afluxo de imigrantes, consistindo principalmente de portugueses e sírio-libaneses.[56] Os descendentes destes, em particular, ganharam grande destaque no comércio, como mascates, e, futuramente, na política cearense.[57]
Começou a ganhar destaque a atividade dos cangaceiros, que, agindo em grupos organizados e promovendo saques em cidades e propriedades rurais, desestabilizaram o interior do Nordeste por décadas. A forte religiosidade popular e a grande miséria estimulavam uma profusão de líderes messiânicos e formas de fanatismo religioso. O cearense Antônio Conselheiro, de Quixeramobim, chegou a formar, na Bahia, o arraial de Canudos, cuja forte atração populacional e ideológica, contrária aos interesses da elite fundiária, deflagrou a Guerra de Canudos.[58]
Entre 1896 e 1912, a hegemonia política foi concentrada nas mãos do comendador Nogueira Accioly e de sua família, que estabeleceram uma poderosa oligarquia, cuja influência se estendia pela maior parte dos escalões do poder estadual. Em 1912, Accioly apontara como seu candidato Domingos Carneiro contra Franco Rabelo, representante da política do salvacionismo do presidente Hermes da Fonseca, gerando uma das mais conturbadas campanhas eleitorais do estado. Na Praça do Ferreira, a dura repressão policial a uma passeata de centenas de crianças em favor de Rabelo, que causou a morte de algumas delas e feriu outras, desencadeou uma revolta de três dias da população fortalezense, forçando o governador Accioly a renunciar seu mandato, evento conhecido como Sedição de Fortaleza. Franco Rabelo passou a governar o Ceará.[59]
No fim do século XIX, o carismático Padre Cícero passou a atrair milhares de sertanejos para um pequeno distrito do Crato, que se tornaria Juazeiro do Norte em 1911, persuadidos pela sua fama de milagreiro, atribuída à suposta transformação em sangue da hóstia recebida do padre pela beata Maria de Araújo. Mesmo após ter sua ordenação cassada pelo Vaticano, em virtude de controvérsias sobre o milagre, Padre Cícero tornou-se cada vez mais conhecido e, apesar de seu caráter messiânico, foi hábil em evitar grandes conflitos com a elite local, tornando-se ele próprio um poderoso chefe político.[60]
Em 1914, irrompeu a Sedição de Juazeiro, opondo o governador interventor Franco Rabelo e o Padre Cícero, que havia conquistado os postos de prefeito de Juazeiro do Norte e vice-governador.[60] Em 1915 o Ceará sofreu com uma gravíssima seca, levando a novo êxodo da população para a Amazônia, região que, devido à intermitente mas significativa emigração, recebeu grande influência de cearenses. A gravidade da seca inspirou a escritora Rachel de Queiroz em sua famosa obra O Quinze.[61]
Diante disso, os campos de concentração no Ceará, que já foram usados na estiagem de 1915, foram recriados.[62][63] Conhecidos como Currais do Governo,[64] tinham como objetivo impedir que os retirantes que fugiam da seca e da fome chegassem às grandes cidades. A instabilidade política e social foi crescendo no Estado. Nos anos 1930, surgiu no Crato o movimento messiânico do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, liderado pelo beato José Lourenço.[65]
Da Revolução de 1930 ao período militar
Após a Revolução de 1930, o Ceará passou a ser governado por interventores do Governo Federal.[66] Ascenderam duas organizações políticas que dominaram o cenário estadual: a Legião Cearense do Trabalho, com alegada influência fascista,[67][68] e a Liga Eleitoral Católica, fortemente religiosa, representante da elite tradicional e de grande apelo popular. Nos anos 1940, mais uma seca, em 1943, assolou o Ceará, e, com a Segunda Guerra Mundial e os Acordos de Washington, o governo de Getúlio Vargas incluiu o Ceará no seu projeto político. A instalação de uma base norte-americana em Fortaleza trouxe ideais democráticos e antifascistas que passaram a ser defendidos em várias manifestações. Sob uma forte propaganda governamental de migração e influência do SEMTA, cerca de 30 mil cearenses tornaram-se Soldados da Borracha, produzindo esse produto na Amazônia para abastecer os exércitos aliados.[69]
A República Nova no Ceará teve início com a nomeação sucessiva de seis interventores até as eleições de 1947, seguindo-se a eleição de Faustino de Albuquerque pela UDN. Durante seu governo, nas eleições presidenciais de 1950, o candidato udenista Eduardo Gomes obteve a maior votação, e Getúlio Vargas ficou na 3ª colocação no estado.[70]
Durante a década de 1950 surgiram e se consolidaram vários dos maiores grupos econômicos do Ceará, como Deib Otoch, J. Macêdo, M. Dias Branco, Edson Queiroz e Jereissati. Paulo Sarasate foi o terceiro governador eleito no período. Ainda nessa década, tem início uma nova onda migratória para vários estados e regiões. Entre as décadas de 1950 e 1960, a população cearense passou de 5,1% para 4,5% do total da população brasileira.[71] Em 1958, foi eleito governador Parsifal Barroso, que teve a ajuda do governo federal para combater as mazelas decorrentes da seca daquele ano. Sua principal obra, o Açude Orós, foi inaugurado em 1961. Em Fortaleza, o Grupo Severiano Ribeiro inaugurou o Cine São Luis. Em 1962, foi criado o Banco do Estado do Ceará – BEC.[72]
Em 1963, Virgílio Távora foi eleito governador do Ceará, exercendo o mandato até 1966, mesmo com o início da ditadura militar, em 1964. Seu governo foi marcado pela criação do “PLAMEG I” – Plano de Metas do Governo – que buscou a modernização da estrutura do estado com a ampliação do porto do Mucuripe e a transmissão da energia de Paulo Afonso para a capital.[73]
Plácido Castelo foi eleito pela Assembleia Legislativa em 1966. Durante seu governo, houve perseguição política a deputados e várias manifestações, acarretando a prisão e tortura de estudantes e trabalhadores, assim como atentados a bomba em Fortaleza.[74] Durante o governo de César Cals, de 1971 a 1975, sucedeu-se o auge da repressão militar. Vários cearenses de esquerda estiveram envolvidos na Guerrilha do Araguaia.[75]
Virgílio Távora retorna ao governo em 1979, sendo o último eleito indiretamente, e resgata seu primeiro governo com a criação do PLAMEG II. Estabelece o Fundo de Desenvolvimento Industrial para complementar o sistema de incentivos regionais à indústria, impulsionando uma industrialização muito concentrada na Região Metropolitana de Fortaleza.[76]
Nova República
A Nova República coincide no Ceará com a eleição de Luíza Fontenele para o cargo de prefeita de Fortaleza em 1985. Foi a primeira prefeita de uma capital eleita pelo Partido dos Trabalhadores e a primeira mulher a ser eleita para esse cargo após o regime militar do país. A insatisfação com a política praticada durante a ditadura militar e o movimento de redemocratização impulsionaram as transformações no poder político, com a decadência da hegemonia tradicional do coronelismo.[77]
Gonzaga Mota deixou o governo com pagamentos atrasados ao funcionalismo e descontrole nas contas públicas.[78] Rompido com os antigos aliados, Mota, junto com partidos de esquerda e o PMDB, apoia a candidatura oposicionista liderada pelo jovem empresário Tasso Jereissati, que conseguiu se eleger com a promessa de modernizar a administração pública e as finanças, combater o clientelismo dos governos anteriores, moralizar a administração pública e desenvolver a economia estadual. A nova gestão se autodenominou como Governo das Mudanças.[79] Nas duas décadas seguintes, o projeto avançou com a eleição de Ciro Gomes, seguida de um segundo mandato de Tasso Jereissati. Com a instituição da reeleição no país, Tasso ainda governou o Estado pela terceira vez, tornando-se o primeiro político brasileiro a conseguir tal feito em mais de 100 anos de história republicana.[77] Nas duas décadas seguintes, Jereissati e seus aliados passaram a deter a hegemonia política no Estado, e rapidamente perderam a aliança com partidos mais à esquerda.[77] Ciro Gomes, então prefeito de Fortaleza, se candidatou e foi eleito em 1990 para o cargo de governador, apoiado por Tasso.
Os Governos das Mudanças priorizaram o aumento das receitas, visando a investimentos públicos e privados em infraestrutura e nos setores industrial e de serviços, enquanto o agropecuário permaneceu à margem. Politicamente, houve uma relativa diminuição de poder dos coronéis, com ampliação do poder do grande empresariado. O saneamento das contas estaduais – atingido, em parte, pelo propósito de diminuir as despesas através de reformas administrativas e financeiras, bem como de demissões e achatamento salarial no funcionalismo público – garantiu superávits entre 1988 e 1994, mas, com a consolidação do Plano Real, volta-se a uma predominância de déficits.[78]
Tasso foi eleito novamente em 1994 e reeleito em 1998, concentrando os esforços governamentais em grandes obras, como o Porto do Pecém, o novo Aeroporto Internacional de Fortaleza, o Açude Castanhão, o Centro Cultural Dragão do Mar e o Canal da Integração. O terceiro Governo das Mudanças, de 1994 a 1997, caracterizou-se pela privatização de algumas empresas estatais e extinção de órgãos, enxugando a máquina, reformando a previdência estadual e dando maior racionalidade aos gastos públicos.[78] Lúcio Alcântara, eleito com o apoio de Tasso, continuou, em linhas gerais, o modelo político anterior, mas não conseguiu se reeleger em 2006, quando rompeu com o PSDB, posteriormente mudando para o Partido da República. Cid Gomes, do PSB, ex-prefeito de Sobral e aliado histórico de Tasso, venceu a disputa, com o apoio do Partido dos Trabalhadores, que, em Fortaleza, já havia vencido com Luizianne Lins, eleita em 2004 mesmo sem apoio real do partido, o qual, devido às alianças partidárias nacionais, apoiou o candidato Inácio Arruda, do PCdoB.[80]
O Estado se beneficiou também da guerra fiscal, que então se iniciava, o que, somada à mão de obra barata, atraiu várias indústrias, as quais se concentraram em algumas poucas cidades. O crescimento médio do PIB, de 4,6%, foi superior à média nacional e nordestina nos anos 1990, continuando a tendência iniciada na década de 1970.[81]
O forró eletrônico se popularizou na década de 1990, e o Ceará começou a despontar, seguindo a tendência do litoral nordestino, como grande polo do turismo brasileiro. Ao longo dessa década, com ações como o Programa de Saúde da Família (PSF), o Estado também realizou grandes avanços na redução de índices como a mortalidade infantil. A migração em direção a Fortaleza seguiu forte.[82]
Apesar de vários avanços na saúde e educação básicas e do crescimento econômico estável, a chamada Era Tasso não alterou a estrutura socioeconômica problemática do Ceará, em especial a concentração de renda,[77] que piorou entre 1991 e 2000,[83] a má distribuição fundiária e a enorme disparidade regional, sobretudo entre a capital e o interior. Em 1999, segundo o Banco Mundial, metade dos cearenses viviam abaixo da linha de pobreza.[78] No início do século XXI, consolidou-se a tendência de queda na tradicional emigração de cearenses, que, no período 2001 a 2006, reverte-se para um saldo positivo de 38,3 mil pessoas, o que se atribui à melhoria das condições de vida e à maior estabilidade proporcionada por programas sociais, que permitiram a fixação do povo pobre em sua terra e o retorno de parte dos emigrantes.[84]
