Que  são “partículas virtuais”? Elas realmente existem?

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Por Natasha Romanzoti

Partículas virtuais são entidades misteriosas e controversas. Enquanto sabemos que a matéria é feita de partículas reais, a existência das virtuais é debatida por físicos há pelo menos trinta anos.

A maioria rejeita a ideia, mas Gregg Jaeger, professor da Universidade de Boston (EUA), é um dos seus defensores.

Jaeger é um “físico filósofo”. O cientista, que publicou resultados quantitativos importantes no começo de sua carreira, passou os últimos dez anos focado na filosofia e na interpretação da física.

Ele chegou nas partículas virtuais como uma “última parada” de uma longa jornada que representou sua tentativa de dar sentido ao mundo quântico.

Elusivas

Como as partículas regulares, as virtuais aparecem em muitos trabalhos físicos, de teorias a artigos a conferências.

Partículas, no geral, são as representantes do mundo do minúsculo, ou seja, do mundo quântico. Os cientistas sabem que elas estão aqui, mesmo que não possamos vê-las.

As virtuais são ainda mais elusivas, no entanto – ao ponto de alguns físicos defenderem que elas só existem em fórmulas matemáticas abstratas.

Mas o que sequer significa dizer que partículas “virtuais” são reais?

Narrativa realista

Existem duas posições distintas sobre partículas virtuais. Jaeger adota a posição “realista”, ou seja, está entre os cientistas que pensam que essas entidades são reais, e portanto definitivamente existem.

Na narrativa realista, as partículas virtuais aparecem quando partículas observáveis ficam próximas. Elas são emitidas por uma delas e absorvidas pela outra, e desaparecem antes de poderem ser medidas. Elas também transferem força entre partículas “regulares”, dando a elas movimento e vida.

Para cada tipo diferente de partícula elementar que existe, como fóton, elétron, quark e outros, existe também sua versão virtual.

Narrativa matemática

A outra posição argumenta que partículas virtuais não são reais e aparecem apenas em teorias e equações matemáticas que descrevem o mundo das partículas.

Essas equações estão corretas; elas podem de fato prever todo o tipo de coisas como propriedades magnéticas peculiares de elétrons e múons, por exemplo.

Mas as entidades virtuais são apenas “números”. Não podem ser observadas diretamente, por sua definição matemática. E, se fossem reais, possuiriam propriedades aparentemente inaceitáveis, como massas com valores que podem ser elevados ao quadrado (multiplicados por eles mesmos) para fornecer números negativos. Ou seja, seriam totalmente fora do comum.

E agora? Poderia a narrativa realista ser verdadeira? Partículas virtuais poderiam de fato aparecer e mediar todas as interações entre partículas observáveis?

Em maiores detalhes

Existem pelo menos quatro diferentes teorias matemáticas abrangentes do mundo quântico. A mais “básica” é a mecânica quântica (eu sei, nada básica para a maioria das pessoas, mas ainda assim).

Partículas virtuais se originam de um aparato matemático mais avançado, conhecido como teoria quântica de campos (QFT). A QFT é usada, entre outras coisas, para prever os resultados de experiências extremas em locais como o Grande Colisor de Hádrons.

Como o próprio nome sugere, essas experiências são colisões. Durante essas colisões, partículas são destruídas e outras criadas. Esse fenômeno é repetido diversas vezes em ambientes altamente controlados para que os cientistas tentem prever que partículas irão resultar dos experimentos, e como.

Usando a QFT, a probabilidade de qual partícula surgirá de uma colisão é decidida por uma equação complexa. A fim de descomplicá-la, os físicos escrevem a solução como uma soma de termos muito mais simples, elevada ao quadrado. Tecnicamente, essa soma contém infinitos termos, mas, para a maioria dos cenários, apenas os primeiros importam.

Cada termo contém quantidades físicas relacionadas às partículas envolvidas nas colisões (como massa, carga e momentum) e também a partículas totalmente diferentes, nunca observadas – as tais partículas virtuais.

Antes mesmo do Grande Colisor ser construído, nos anos 1940, o famoso físico Richard Feynman havia criado um diagrama para explicar o papel das partículas virtuais. Para cada termo no cálculo da QFT, um diagrama descrevendo as partículas – as reais e as virtuais – pode ser desenhado.

Os diagramas de Feynman parecem fornecer uma imagem precisa do que ocorre nos experimentos. Contudo, existem infinitos diagramas diferentes, um para cada termo do experimento, o que cria um problema interpretativo.

Freeman Dyson tentou resolver essa questão propondo que os diagramas não mostram uma imagem literal da realidade; apenas são usados como “auxílio” para fazer a matemática. Por outro lado, o próprio Feynman às vezes sugeria que seus desenhos eram representativos da realidade.

Independentemente de sua interpretação, no entanto, a técnica diagramática pegou, e se tornou constante em trabalhos físicos. E muitos cientistas que trabalham com resultados quantitativos acreditam em uma realidade recheada de partículas virtuais justamente porque a QFT tem uma excelente performance em prever o resultado de experimentos.

Exemplificando: um experimento com múons

O físico experimental Lee Roberts, também da Universidade de Boston (EUA), faz parte de um grupo de pesquisa que mede as propriedades magnéticas de partículas chamadas múons, com uma precisão jamais alcançada. E isso graças às partículas virtuais.

Múons são semelhantes a elétrons pesados, com carga negativa e spin. O spin do múon gira de forma a produzir um pequeno campo magnético, chamado de “momento magnético”.

Como ele age como um minúsculo “ímã”, interage com outros campos eletromagnéticos, representados por fótons. Para calcular essa interação, os físicos usam o já comentado processo de escrever a solução como uma soma infinita. Os termos da soma são representados por diagramas de Feynman, com um múon entrando e um fóton saindo, e partículas virtuais no meio deles.

Essas interações dão ao múon um “momento magnético anômalo”, isto é, em relação aos resultados de teorias que vieram antes da QFT. Com a QFT, esse momento foi previsto quase perfeitamente, de maneira semelhante a fazer marcações em um campo de futebol usando uma venda e elas serem tão precisas quanto a largura de um fio de cabelo.

Com a QFT (e suas partículas virtuais) sendo tão exatas, fica claro que deve haver algum tipo de “realidade” nelas. Será?

Objeções

Oliver Passon é um físico e filósofo atualmente na Universidade de Wuppertal (Alemanha) que objeta a noção de que partículas virtuais sejam reais. Para ele, a visão realista é resultado de uma interpretação pouco cuidadosa da matemática.

Sua oposição pode ser explicada no contexto de um famoso experimento físico: a experiência da dupla fenda. Nela, físicos lançam partículas como fótons em uma parede com duas fendas. A probabilidade de onde a partícula irá pousar no outro lado da parede é relacionada ao quadrado da soma, semelhante ao cálculo da QFT – exceto que, neste caso, só há dois termos na soma, representado as possibilidades de a partícula ter passado por uma das duas fendas.

A mecânica quântica não pode responder por qual das duas fendas a partícula passou, porque a matemática exige que o termo que representa cada possibilidade seja somado com o outro e elevado ao quadrado.

“A questão de uma ou outra coisa acontecer não faz sentido. Não é uma pergunta difícil – nem sequer é razoável de perguntar. É isso que considero a mensagem principal de toda a mecânica quântica”, defende Passon.

Essa experiência parece indicar que os termos matemáticos individuais não têm realismo em si, apenas sua superposição (soma ao quadrado) tem significado. Logo, as partículas virtuais não devem ser consideradas reais. Esse pensamento – chamado de “argumento da superposição” – tem outros adeptos.

Jaeger, por sua vez, crê que ele perde o ponto. A crítica, para ele, fica ironicamente presa em abstrações matemáticas. Sim, termos individuais não podem resolver a questão, mas isso não significa que a partícula não passou por uma das fendas.

Em outras palavras, a matemática não dará a resposta, mas isso não significa que está errada. Ela ainda prevê corretamente a passagem da partícula pelo espaço, e a probabilidade de onde pousará. E, na QFT, isso depende da presença de partículas virtuais.

O futuro dirá

Atualmente, Jaeger está trabalhando para refinar seu modelo de partículas virtuais como flutuações em campos quânticos subjacentes. A chave, segundo o físico, é que essas flutuações devem conservar quantidades gerais como energia, carga e momento, princípios da física moderna.

Até agora, ninguém sabe como substituir a QFT por outra teoria mais simples de explicar. Ou seja, no fim das contas, parece haver boas razões para pensarmos nas partículas virtuais como reais. A dificuldade de interpretar sua existência apenas destaca a complexidade da teoria quântica de campos da qual originam.

Já se a QFT fosse substituída, os cientistas teriam que resolver de vez a questão da verdadeira natureza da partícula virtual, talvez o mais enigmático dos componentes desse mundo minúsculo – o quântico. [Vice]

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