As projeções tenebrosas dos anos 80 deram lugar a um momento em que os especialistas, com a devida cautela, falam pela primeira vez em vitória no controle da epidemia. O diagnóstico é baseado na combinação de dois fatores. O primeiro deles envolve a evolução dos medicamentos retrovirais, que se destinam a combater o nível do vírus HIV no organismo, de forma que ele não ganhe força para desenvolver a aids. As drogas dos anos 80 eram menos eficientes nessa batalha e provocavam efeitos colaterais enormes, como náuseas e vômitos. “Além de muito mais eficaz, a nova geração de drogas amenizou boa parte desses problemas”, afirma o oncologista Drauzio Varella. Como resultado disso, de moléstia fatal a aids passou à condição de doença crônica tratável. Se no passado as pessoas recebiam uma sentença de morte junto com o diagnóstico, agora elas aprendem a controlar o HIV no organismo com os medicamentos modernos. “Hoje, não existe grande diferença entre a expectativa de vida de pessoas que vivem com HIV e acessam o tratamento e o restante da população”, diz o infectologista Rico Vasconcelos, professor da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo. Há registros de pessoas que vivem há décadas com o vírus, sendo o exemplo mais famoso o de Magic Johnson, o grande ídolo da NBA, a liga profissional de basquete americana, que em 1991 revelou ao mundo sua doença. Ele completou 60 anos em agosto e mantém uma vida normal, revezando a rotina entre seus negócios e as atividades de porta-voz de campanhas de sexo seguro. “Sou casada e tenho dois filhos que não têm o HIV”, conta a publicitária Thais Renovatto, de 36 anos, autora do livro 5 Anos Comigo, no qual narra o que se passou na sua vida após ter sido diagnosticada com o vírus, em 2014. Ela foi infectada quando parou de usar preservativos com seu então namorado. “Minha vida é praticamente normal, mas ainda existe essa ideia de que um corpo com HIV é fadado a definhar e não pode fazer mais nada: não pode amar e não pode ter uma família.”
Não apenas surgiram armas melhores nos últimos tempos para combater o avanço do vírus no organismo. Pela primeira vez na história, está disponível uma estratégia altamente eficaz na prevenção da doença. Batizada de PrEP, ela consiste em uma terapia cujo objetivo é prevenir a infecção por HIV por meio da ingestão diária de um medicamento que é uma combinação dos antirretrovirais tenofovir e entricitabina. O Truvada, nome comercial do remédio, bloqueia a entrada do vírus HIV no DNA das células de defesa do organismo, impedindo a sua replicação. Se utilizado de forma regular, sem interrupções, ele reduz em 90% o risco de infecção. Na rede pública brasileira, a PrEP é oferecida gratuitamente a cerca de 10 000 usuários. Na rede privada, o preço é o obstáculo. Um mês de tratamento custa entre 260 e 300 reais. “O remédio mudou minha vida”, conta o designer Ademir Dema, de 40 anos. “Eu sei que preciso usar camisinha, mas tenho mais autonomia para decidir em quais relações eu não quero usá-la.”
Na medicina, e mesmo na vida, um bom remédio pode causar efeitos colaterais. Especialistas temem, com razão, que a disseminação dessas práticas — fruto de importantes vitórias da ciência — estimule os jovens a abandonar de vez a proteção dos preservativos. “Apesar de ainda haver a discussão de um possível aumento das outras infecções sexualmente transmissíveis pelo não uso do preservativo, a PrEP é muito bem-vinda, pois essas infecções têm tratamento mais fácil e cura”, explica o infectologista Ralcyon Teixeira, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Exemplo disso é o aumento de casos de sífilis. No Brasil, a incidência da doença por grupos de 100 000 habitantes praticamente dobrou nos últimos quatro anos.
Na luta pelo fim da epidemia, o Brasil encontra-se em uma posição intermediária. O país conseguiu reduzir as mortes por aids nos últimos anos, em razão da oferta de tratamento gratuito a todas as pessoas que vivem com HIV, independentemente da carga viral. Por outro lado, houve aumento no número de novas infecções, principalmente em homens jovens, homossexuais e homens que fazem sexo com homens (HSH). Em parte, esse crescimento pode ser atribuído à melhoria na notificação de diagnóstico de HIV positivo, que se tornou obrigatória somente em 2014. Mas também há falta de campanhas de prevenção direcionadas ao público mais afetado pelo problema, ausência de educação sexual (em casa e na escola) e o velho preconceito que associa infecções sexualmente transmissíveis a promiscuidade.
Enquanto o Brasil enfrenta esses desafios, a medicina continua evoluindo. Recentemente, a FDA, agência americana que regula medicamentos, aprovou o Descovy, o segundo remédio para prevenir o HIV, com ação similar à do Truvada. No campo de desenvolvimento de uma vacina, um imunizante da Janssen mostrou proteção contra diversos subtipos do vírus e acaba de entrar em fase final de testes. As conquistas importantes na batalha contra a epidemia não representam um sinal verde para que as pessoas se descuidem da prevenção. A vitória definitiva contra a doença que apavorou o mundo nos anos 80 e matou muita gente ao longo das décadas seguintes depende muito ainda do comportamento responsável da população.